Não há lugares inúteis. Há lugares aborrecidos, hostis, fechados, planos, rotineiros. Nunca inúteis. Sobra-me um dia em Atlanta (e nenhum no cruzamento da 10 com a Hemphill). Sentado no terraço do City Café, pouso o «O Paraíso na Outra de Esquina» sobre a mesa e tento dispensar atenção à cidade. À distância, as torres da baixa parecem decorações de um Natal antecipado, quente e húmido como uma sauna húngara. Em frente, está o campus da Georgia Tech e o meu apartamento. A norte, a Hemphill segue, entre casas de madeira e árvores de copa fresca e larga ─ de noite, o trajecto é escuro e habitado por ruídos bestiais ─, até ao cruzamento com a 14, onde se encontra outra «praça de alimentação»: McDonalds, Burger King e uma estação de serviço. Volto ao Vargas Llosa. Na página 149 lê-se: «Há cidades que uma pessoa detesta sem conhecer.» Mas nunca são inúteis. Durante o dia, com o sol, o zumbido do calor e os fragmentos de selva que prosperam entre o betão, deixamo-nos cativar por esta incubadora da tragédia, substância vital da literatura do sul norte-americano ─ o velho sul, que vai do Delaware à Geórgia, antes do sul profundo do Alabama e Mississipi. As noites trazem a frescura possível e estimulam a indolência meridional e as virtudes e os vícios. Contudo, depois da exuberância vem sempre a queda: o Outono chegará e com ele o vento. Bebo mais um trago da Sweetwater e penso naquilo que o Peter me disse poucos dias antes da viagem, sentado no balcão do bar do Simon: «Quando tiver oitenta anos, só quero sentar-me e recordar». O Peter morreu com 65 anos.
Atlanta, Julho de 2008