A lenda catalã do marinheiro de Sant Pau conta a história de um embarcadiço que, com terra à vista, é colhido por um temporal súbito e violento. Agarrado a um remo, consegue chegar à costa, apenas para descobrir que, da sua casa, só sobram destroços, e da família não restam vivos. Devastado pela raiva e pela tristeza, aferra-se ao remo e adentra-se em terra firme.
O marinheiro caminhou durante dias, semanas, meses. Queria chegar a um lugar onde o mar, origem da sua tragédia, não fosse cohecido. Por isso, com o remo na mão, perguntava a quem encontrava: o que é isto? Um remo, respondiam. E o marinheiro afastava-se.
Um dia entrou numa aldeia e, à mesma pergunta, um grupo de pastores finalmente contestou: parece uma pá de forno. Ali ficou. Longe do mar e da sua fúria, pensava. Porém, como diz Jorge Manrique nas Coplas por la Muerte de su Padre, «nuestras vidas son los rios / que van a dar en la mar / qu’es el morir.» Ao mar regressamos sempre. Resignados. Ainda que, como se escutássemos a súplica de Dylan Thomas na morte do seu próprio pai, flutuemos, agarrados a um remo providencial, nas águas já salobras de um rio onde, segundo Heraclito, não entramos duas vezes.
Ericeira, 13 de Abril de 2014