Sitting on the wall, with his feet dangling down towards the rocks, he enjoyed the sensation of freedom from tyranny of time, imagining how good it would be to spend the rest of his life in that exact same spot, devoting his time just to thinking, reminiscing and watching the calm, peaceful sea.
Leonardo Padura Fuentes, Adiós Hemingway
Os homens dividem-se em duas classes: os que vivem na terra, e os que vivem no mar. Os primeiros são os fósseis vivos da sedentarização da espécie humana, um processo que fundou uma civilização e que, ao mesmo tempo, atou caçadores e exploradores a uma rotina que tranquiliza mas que também sufoca. Os homens do mar são o motor da descoberta. Vivem num permanente desassossego. Olham fixamente para a linha do horizonte durante horas sem esconder, no rosto e nos gestos, a vontade de partir. Têm consciência do passado e das raízes mas arrastam essa bagagem pelo mundo, por mais pesada que seja. Tudo porque encontram no mar a paz, e a única redenção possível para todos os arrependimentos, e a evasão da tirania do tempo, e a liberdade, e o lugar ideal para fazerem aquilo que nos distingue dos outros animais: pensar, atando os fios do passado e do futuro. Mas no final, tudo se resume à voragem de partir como único lenitivo para os demónios interiores. Não querem Ítaca, nem Calipso, só o ritual de passagem, uma e outra vez. Sim, os homens dividem-se entre os que vivem na terra e os que vivem no mar. E são os que vivem no mar que, por sua vez, sabem que a vida, parafraseando Woody Allen, se divide entre o miserável e o horrível. E que só na água, sem rumo, é que o trágico se transforma em cómico. Só na água conseguimos rir-nos de nós próprios, atingindo finalmente a plenitude da condição humana. E assim, quando podem, os marinheiros dançam, e se frottant la panse, sur la panse des femmes. E no dia seguinte vão para outro porto.
Carlos Miguel Fernandes, Dezembro de 2011